Aos psicólogos e poetas,
Já era crepúsculo, as cores do dia se juntavam no horizonte. Alguns seres escutavam com atenção as palavras magicas do criador, que nessa hora do dia parecia ainda mais encantado. Com uma intensidade diferente segredou: serão vocês os curandeiros da alma, conseguirão ter o poder de cuidar das dores que moram para além dos olhos, aquelas por vezes estranhas ao seu próprio portador, dores diferentes das do corpo que se pode tocar e compreender com a razão, essas são outras, são dores da des-razão, do descontrole, que afetam o coração da existência e têm o poder de paralisar também o corpo, de tirar dele o sopro de vida, de sentido. Os seres escolhidos deslumbravam-se com tamanha grandiosidade que lhe foi confiada. Vibravam como o vermelho do dia que partia. Valera a espera. E de repente fez-se silêncio, a natureza se aquietava, os seres esperavam ansiosamente receber a poção mágica da cura, os instrumentos que fariam deles os curandeiros da alma. E nada se dizia, nada acontecia, começaram a habitar o vazio escuro da noite. E então a voz sussurrou: A condição é que vocês sejam feridos antes, e quando tocarem suas próprias feridas, e quando as acolherem, e quando a conhecerem imensa e pessoalmente, farão remédio, extraído da cura do tipo que vem do queijo curado, que fica imerso até mudar de consistência. E quando vivê-la até que se torne outra que já não será mais dor, perceberão que superabundarão remédio, e poderão oferecer a todos os seres feridos. Dar-se-ão em alimento, comungarão das vivências e abismos mais profundos e trarão o dia depois que viverem a noite intensa. E reunirão em espetáculo como no crepúsculo as cores do dia,do que se fizeram em vocês em nome de todos os outros. E não temerão mais a dor. Ela será sua maior aliada, seu maior caminho, sua potência a espera de realização. Serão então com-sagrados "curandeiros feridos", e cada cicatriz segredará o processo e magia da cura, da transcendência.
O galo rompeu a noite e anunciou a manhã cantando a luz de Fernando Pessoa:“Ao mar o abismo deu, mas foi nele que escolheu o céu para se espelhar”
Fernanda Aoki
Comments